Financiamento Público de Campanha - Entrevista


Divido com vocês a entrevista que concedi a Terra Magazine sobre financiamento público de campanha, cujo projeto é de minha autoria.

Diego Salmen

Autor de projeto que cria o financiamento público de campanha, o deputado federal Flávio Dino (PCdoB-MA) diz, em entrevista a Terra Magazine, que a proposta irá reduzir a dependência dos políticos do poder econômico. E defende a exclusão das empresas do processo eleitoral.

- Tirando as empresas do jogo político, é melhor para as empresas e para o mundo da política. Inclusive nos livraremos desse eterno debate sobre quem financiou quais campanhas.

O projeto do parlamentar comunista prevê também o fim das doações de empresas a campanhas eleitorais, além de estabelecer um teto para a contribuição de pessoas físicas, com o objetivo de dificultar a proliferação de "laranjas" atuando em nome das grandes corporações.

- A idéia é construir um modelo que contenha um avanço substantivo, na medida em que nós teremos uma maior independência do mundo político em relação ao poder econômico. Essa é a questão crucial.

O projeto já está sendo debatido entre os congressistas, e deve ser apresentado por Dino aos líderes partidários para, em seguida, ir à votação em plenário.

Confira a íntegra da entrevista:

O que motivou a apresentação do projeto de financiamento público de campanha?
Flávio Dino - Essa é a principal questão da reforma politica e eleitoral, que você equaciona numa pergunta fundamental: qual é o custo da democracia e quem paga por isso? Ou seja, como as campanhas são financiadas, como os cargos são disputados... É uma questão que em vários paises do mundo recebe respostas diferentes. No Brasil, a resposta vigente até hoje é que há um misto, porque nós temos o financiamento público e o financiamento privado. O financiamento público é representado pelo fundo partidário e pelo horário eleitoral gratuito, e o privado pelas doações de empresas e pessoas físicas. A idéia fundamental do projeto é ampliarmos os mecanismos de financiamento público e reduzirmos o financiamento privado, para que possamos equacionar melhor esse problema da relação entre as campanhas e as doações, sobretudo aquelas oriundas de empresas.

Não acha que as empresas utilizarão laranjas para continuarem efetuando doações e manter a influência na política nacional?
Não há sistema perfeito em nenhum âmbito do direito e em nenhum país do planeta. Não há sistema imune à ilegalidade. O que nós temos de fazer é dizer que, diante de um crime ou ilegalidade, haverá uma sanção severa e drástica, como a perda do mandato, sanções à empresa que praticar ilegalidades. O importantes é construir um sistema que reduza os problemas e tenda a eliminá-los, e a convicção que eu tenho é que, tirando as empresas do jogo político, é melhor para as empresas e para o mundo da política. Inclusive nos livraremos desse eterno debate sobre quem financiou quais campanhas. Agora mesmo, com a instalação da CPI da Petrobras, há todo um questionamento em torno dos membros da comissão sobre quem doou para suas campanhas eleitorais.

Sim...
Nós tivemos recentemente a Operação Castelo de Areia, um problema na Bahia... Ainda anteontem, na Câmara de São Paulo diversos vereadores foram intimidados a esclarecer doações de empresas supostamente concessionárias de serviços públicos. Então eu tenho a consciência e convicção de que o modelo atual está completamente esgotado, e ele acaba fazendo com que nós tenhamos ainda menos credibilidade no mundo político. Aí nós temos que olhar as experiências internacionais e construir um modelo que reduza as fraudes, melhore a qualidade da representação política e puna quem eventualmente cometer algum crime eleitoral. Essa hipótese de (utilização de) laranjas é de difícil execução, porque você teria de considerar que a pessoa física tem um limite de doação, então você teria que recrutar milhares de pessoas. E isso, obviamente, até do ponto de vista prático, é muito difícil.

No Brasil há graves falhas na fiscalização de recursos eleitorais. Isso não pode fazer a verba pública servir de complemento às doações privadas, casos estas continuem, mesmo que ilegalmente?
Eu vejo um crescente aperfeiçoamento dos mecanismos de fiscalização, basta olhar o número de cassações de governadores, prefeitos e parlamentares para constatar que a Justiça Eleitoral tem atuado com mais eficácia. Recentemente o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) fez um convênio com o TCU (Tribunal de Contas da União) para reforçar o sistema de auditoria nas prestações de conta. Nós temos uma clara diminuição das ilegalidades, agora precisamos avançar nesse instrumentos de fiscalização. Tanto é que na proposta que eu irei apresentar ao debate ao colégio de líderes partidários se propõe aprimorar a transparência, ou seja, as contas de campanha serem acessíveis a qualquer cidadão e a qualquer tempo, ajudando não só a fiscalização da justiça, mas também pelos demais concorrentes no pleito, pela imprensa e pelos cidadãos.

Este não será mais um daquele projetos de "modernização conservadora", em que muda tudo para tudo continuar como está?
Não. A idéia é construir um modelo que contenha um avanço substantivo, um novo paradigma, na medida em que nós teremos uma maior independência do mundo político em relação ao poder econômico. Essa é a questão crucial, não só no Brasil mas em todos os países que adotam esse modelo de democracia representativa. Já houve problemas na França, Itália, Estados Unidos, Alemanha... todos relacionados ao financiamento de campanha, e cada país encontrou sua solução com a convicção de que não há resposta perfeita, abstratamente. Mas essa proposta que eu estou apresentando ao debate público, que inclusive tem outros procedentes e projetos similares, terá o mérito de agregar dois requisitos pelos quais nós temos de avaliar as propostas relativas à reforma polítca. O primeiro, o da relevância; e o segundo, da viabilidade. Creio que o projeto é relevante e viável.

Ao centralizar a distribuição de recursos nos partidos, o projeto não enfraquece os candidatos?
Esse é outro mérito da proposta, que é caminhar para essa desindividualização da vida política. Fortalecer os partidos na medida em que há praticamente um consenso univeral sendo o qual a democracia representativa exige a constituição de partidos sólidos, com identidade programática e enraizamento social, e que seja o veículo principal da luta política. Então, por intermédio do financiamento e também da fidelidade partidária já instituida pelo TSE, nós daremos passos nessa direção.

Como acha que a população receberá esse projeto?
Nós temos que dialogar, e apresentar as razões para mostrar que é inclusive um projeto que diminui os custos das campanhas eleitorais. Diminui as ilegalidades, o caixa dois, fraudes em licitações e obras públicas. Portanto melhora a qualidade da gestão pública e a qualidade da política no Brasil. A partir dessa convicção, tenho certeza que a sociedade irá compreender e apoiar.

Terra Magazine

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