Ainda o Cadastro "Positivo"


Já expus aqui a visão que tenho quanto ao projeto de lei que institui o chamado Cadastro Positivo, que considero negativo para os consumidores. No mesmo sentido, segue o editorial publicado pelo Jornal da Tarde, de São Paulo.


Cadastro positivo, o 'SNI do consumo'

Os inadimplentes sabem que têm que se ver com dois tipos de protetores de credores - um são os Serviços de Proteção ao Crédito (SPC), que funcionam nas Associações Comerciais, e outro, o cadastro em posse de uma empresa que presta serviço a bancos, o Serasa. Quem sabe disso tem razão de perguntar o que levou os políticos a se meterem numa atividade privada por tradição e elaborarem um projeto de lei que regulamenta a atuação dos bancos de dados que tornam possível a criação do cadastro positivo de tomadores de empréstimos nos bancos.

O fato é que o cadastro, já aprovado pela Câmara dos Deputados, prestará, isto sim, relevante serviço às instituições financeiras de crédito e o mais deplorável dos desserviços à cidadania: a invasão da privacidade, intolerável num Estado Democrático de Direito. As empresas bancárias têm tudo a comemorar, pois passarão, se o projeto virar lei no Senado, a contar com informações completas sobre seus clientes e os tomadores de empréstimos em potencial. Isso lhes dará segurança absoluta para operar quase sem margem de riscos. Vendido como uma iniciativa positiva, pois enaltece o bom pagador em vez de delatar o caloteiro, este cadastro positivo é mais um passo na direção da devassa completa da intimidade do cidadão, tendo como único objetivo, lícito do ponto de vista de quem vive de emprestar dinheiro, a drástica redução da inadimplência.

É possível argumentar que a queda da inadimplência poderá beneficiar o cidadão se levar à redução do spread e, com isso, à diminuição dos juros. Mas, como tem mostrado nossa farta experiência com o custo das dívidas, nem sempre o lógico se materializa na matemática financeira.

Sem garantia nenhuma de que o banco lhe dará o empréstimo, qualquer cidadão que autorizar a inclusão de seu nome no banco de dados tornará possível uma devassa completa da vida financeira do candidato a empréstimo pela entidade junto à qual queira se endividar. Entre as informações disponíveis estarão prazos e valores das diferentes modalidades de financiamento tomados por ele: cartões de crédito, compras pelo crediário, empréstimos pessoais e outros financiamentos bancários. Assim, o candidato a devedor entregará ao credor em potencial um balanço tão completo da própria atividade financeira que possivelmente até mesmo ele teria dificuldade de conseguir. Contra o argumento de que a inclusão dos dados no banco dependerá de sua autorização explícita urge advertir que, se a iniciativa tiver sucesso, dificilmente daqui a algum tempo alguém conseguirá um empréstimo qualquer se não fizer parte desta versão bancária do Big Brother, personagem fictícia do tirano xereta que sabe tudo de seus súditos, criada por George Orwell e cada vez mais real.

Esta “espécie de SNI (Serviço Nacional de Informações) do consumo”, na correta definição do deputado Flávio Dino (PdoB-MA), só acrescerá aos SBPCs e ao Serasa essa violência. O crédito já tem boas defesas no País.

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