O GLOBO | O PAÍS (3)
JUDICIÁRIO | TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
Na campanha, doação oculta é maior que verba partidária
Partidos vão tentar derrubar regra que obriga a identificação dos doadores
Fábio Fabrini
BRASÍLIA
As regras do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que restringem as chamadas doações ocultas nas eleições deste ano vão afetar um mecanismo de financiamento que, nos últimos dois pleitos (2006 e 2008), garantiu R$ 319.973.819 para campanhas eleitorais em todo o país. Só na eleição de 2008, quando estavam em disputa cargos de prefeito e vereador, as chamadas doações ocultas somaram R$ 251,4 milhões, ou 8,9% da soma de todas as receitas registradas pelos partidos (R$ 2,8 bilhões). Esses montantes correspondem ao que os partidos receberam de pessoas físicas e jurídicas, e repassaram posteriormente a seus candidatos sem declarar a fonte. Amplamente adotada para que o eleitor não saiba quem patrocinou os nomes em disputa e os interesses privados em jogo, a controversa estratégia gerou para os candidatos cinco vezes mais dinheiro que o fundo partidário, fonte pública de recursos para os partidos políticos.
Nos anos das duas últimas eleições, o fundo rendeu R$ 312,7 milhões às legendas, mas, desse total, elas transferiram para as campanhas de seus candidatos R$ 64,2 milhões — ou seja, um quinto dos quase R$ 320 milhões das doações que ficaram ocultas na prestação de contas dos candidatos.
O levantamento dos dados foi feito pelo TSE, a pedido do GLOBO, e ajuda a explicar a reação dos líderes partidários, que se articulam para anular no Congresso a exigência do tribunal de que todas as doações sejam identificadas a partir deste ano. A maioria das siglas recorreu às doações ocultas e teme que o estrago na contabilidade eleitoral seja grande agora.
Em 2006, ano de eleições gerais, os candidatos receberam R$ 68,4 milhões, ou 4,8% do total arrecadado oficialmente, e declarado, naquele ano. Valor quatro vezes maior que o montante do fundo partidário repassado pelas legendas, no mesmo ano, às campanhas de seus candidatos, cerca de R$ 17 milhões.
Em 2008, os R$ 251 milhões de doações que ficaram ocultas equivalem a mais de quatro vezes o total de recursos do fundo repassados para os candidatos (R$ 47 milhões) gastarem nas suas campanhas eleitorais.
Para os especialistas em contas eleitorais, a maior incógnita em 2010 é o comportamento dos doadores que preferiam ficar anônimos.
— Como surgiu um controle social muito grande, essas doações aos partidos viraram válvula de escape. Agora, a válvula acabou — constata o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), relator da minirreforma eleitoral aprovada ano passado.
— É difícil prognosticar se o dinheiro vai para lá ou para cá. O certo é que não desaparecerá.
Apesar da queixa dos partidos contra o fim desse tipo de doação, Flávio Dino aposta que, com as restrições, os doadores devem migrar para a contribuição direta, aparecendo nas prestações de contas dos candidatos. Mas até representantes de patrocinadores tradicionais de campanha, como o setor da construção, avaliam que a nova resolução terá efeitos colaterais.
“Quem quer fazer lobby vai continuar doando”
Para o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Simão, as regras favorecem a transparência nas eleições, mas podem desestimular as doações ou mesmo levar empresas e pessoas físicas a irrigar o caixa dois das legendas.
— Alguns vão parar de doar, outros vão reduzir: o cara que dava R$ 100 ocultamente vai querer dar R$ 50 agora — comenta Simão. — Quem quer fazer lobby vai continuar doando por debaixo dos panos.
O argumento de que as mudanças nas regras vão fomentar irregularidades tem sido usado pelos próprios partidos para desqualificálas. Entre as alternativas estudadas por eles, está a edição de um decreto legislativo alegando que a resolução do TSE exorbitou em sua competência, e a apresentação de um projeto de lei com alterações.
A norma publicada este mês pelo tribunal diz que, nas próximas eleições, as legendas terão de abrir uma conta exclusiva para recursos usados em todas as campanhas, o que favorece a fiscalização da contabilidade, além de indicar quais serão os beneficiários dos doadores. A contribuição às siglas é, no entanto, apenas uma forma de repasse indireto aos candidatos.
De acordo com o TSE, não há, por exemplo, mudança no mecanismo de financiamento via comitês de campanhas. Eles recebem recursos de empresas e pessoas físicas, transferindoos aos políticos. O nome do doador aparece na prestação de contas do comitê para o qual contribuiu, mas não na do candidato, o que impossibilita estabelecer vínculo entre os dois. Além de dinheiro, os comitês podem repassar material de campanha.
— Você sempre vai ter isso. Nunca vai ser possível saber qual empresa pagou pelo cartaz usado por um candidato na disputa eleitoral.
O que você consegue é fechar janelas, mas não há um sistema completamente refratário — pondera Dino, que não acredita em rastreabilidade absoluta.
Ex-ministro do TSE e advogado especialista em direito eleitoral, Fernando Neves afirma que a nova regulamentação mostra que a Justiça está mais atenta a irregularidades: — Quanto mais transparência no processo, melhor. O eleitor tem de saber quem apoia quem. Os candidatos deveriam vir a público até antes (do momento do voto) para dizer quem são seus doadores — opina Neves.
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