No Terra Magazine

Dino: reforma não resolve tudo, mas contém avanços

Diego Salmen

Em entrevista a Terra Magazine, o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA) diz que a proposta de reforma eleitoral aprovada pela Câmara garantirá a participação de minorias no processo político.
"É um passo para melhorar o sistema político brasileiro", afirma o parlamentar, que foi relator do projeto na Casa. "Não resolve todos os problemas, mas contém avanços importantes", diz.

O projeto de reforma eleitoral foi votado nesta quarta-feira, 16, depois de ser emendado e aprovado pelo Senado. Agora, deve ser sancionado pelo presidente Lula até o dia 3 de outubro para que as novas regras entrem em vigor já em 2010.

"A razão da existência dessa regra não é o fato de ser concessão pública, e sim a ideia de que a minoria política tem de se manifestar", afirma o parlamentar em referência à equiparação das empresas de comunicação na internet às emissoras de rádio e TV.

Confira a entrevista:

Terra Magazine - Qual é o balanço da aprovação da reforma?
Flávio Dino - É um passo para melhorar o sistema político brasileiro. Não resolve todos os problemas, mas contém avanços importantes que devem ser reconhecidos como passos na direção correta.

A reforma prevê o fim do anonimato nas campanhas na web, mas permite doações ocultas. Não são dois pesos e duas medidas?
Não, porque as duas conclusões estão erradas. Primeiro porque não é o texto (da reforma) que prevê o anonimato, é a Constituição, no artigo 5º, há 21 anos. Diz lá: "É livre a manifestação de pensamento vedado o anonimato". Essa não é uma coisa inventada. E está na Constituição da maioria dos países do planeta, inclusive. Segundo, essa questão das doações ocultas é falsa, é um discurso que não tem base no texto. Há 14 anos, a Lei 9096/1995 permite doações aos partidos. Repito, há 14 anos. O que nós fizemos foi restringir essas doações. Como? Nós criamos parâmetros máximos para o valor dessas doações. Hoje você tem limite de doação só para candiadatos, mas não tem para partidos. Hoje você pode doar a um candidato até 2% do faturamento bruto da empresa ou 10% da renda bruta do cidadão.

Antes não havia esse limite?
Para o cidadão, sim; para os partidos, não. Então nós estamos trazendo esse limite. E as doações não são ocultas. Elas constaram na prestação de contas desses partidos.

Mas só depois das eleições...
Como também as doações dos outros candidatos só são conhecidas depois das eleições. Só que o prazo é diferente; no caso das doações feitas a candidatos é 30 dias depois, e no dos partidos são alguns meses. Se a ansiedade é essa, basta mudar o prazo de prestação de contas. Quando se fala em doação oculta, que foi mais um mito que criaram, dá a impressão que isso seja uma espécie de ato secreto. Não é. A doação é feita ao partido, legalmente. O partido não é um ente ilegal, pelo contrário - até o TSE diz que o mandato pertence ao partido. Depois o partido irá declarar o quanto recebeu e de quem. E aí a imprensa e os interessados poderão verificar.

Como gartantir, na prática, o fim do anonimato em campanhas na web?
Isso na vida é difícil. Carta anônima é proibida. O pessoal da internet tem mania de imaginar que a rede veio do espaço sideral (risos). Ela não veio: é um artefato histórico que se relaciona com realidades concretas que nós já temos. Hoje existe anonimato em carta? Existe. Anonimato em fax? Existe. Existe anonimato em boatos na feira de São Cristóvão no Rio de Janeiro ou na 25 de Março, em São Paulo? Existe, e vai continuar existindo na rede. Agora, nós não podemos escrever no texto (da reforma) algo que a Constituição não permite, porque isso seria inconstitucional. Seria uma ilusão, uma ingenuidade, quase um desvario imaginar que será possível evitar que num blog qualquer alguém use um nome falso.

O senhor pressionou pela igualdade de condições da web com o rádio e a TV no que diz respeito aos debates. Isso não pode prejudicar a participação de candidatos de partidos menores?
Não, pelo contrário: isso permite (maior participação), porque na verdade essa é uma cláusula anti-censura, e não uma clausula de censura, em favor do pluralismo político, que é um valor constitucional. O artigo 46 da Lei 9504/1997 é uma cláusula que determina que as minorias tenham voz e possam se manifestar. Nós pegamos isso e estendemos às empresas de comunicação social. Não é para a internet, é para as empresas de comunicação; blogs e redes sociais podem debater como quiserem. Por quê? Porque o objetivo é garantir que as minorias tenham chance de se transformar em maioria.
Esse discurso contra os partidos menores é um discurso autoritário, é um discurso de congelamento do futuro. Vou dar um exemplo: faria sentido excluir a Heloísa Helena? Eu não concordo com ela, mas ela é uma personagem importante da política. Pelo texto do Senado, ela ficaria de fora dos debates, porque o PSOL não tem 10 deputados federais. Mas isso seria uma exclusão anti-democrática. Faria sentido excluir a Marina Silva do debate? Acho que não. Essa é a razão pela qual exclusivamente neste aspecto há uma comparação da internet ao rádio e à televisão.

E...
Alguém vai dizer: "É diferente porque a internet não é concessão pública". Eu me impressiono porque esse é um argumento puramente formalista, que seria adequado na minha boca, já que sou da área jurídica. Porém, a razão da existência dessa regra não é o fato de ser concessão pública, e sim a ideia de que a minoria política tem de se manifestar. Tanto é que jornal e revista não são concessões públicas e têm regras também.

Mas sem esse dispositivo não poderia haver mais debates com menos candidatos, ao invés de um número reduzido de debates com muitos postulantes?
Não, eu tenho certeza que haverá dezenas de debates, porque não é verdade que todos os candidatos tem de estar presentes. Se você pegar o artigo da 46 da Lei 9504/1997, em vigor há 12 anos, ele permite que os candidatos sejam chamados em grupos de três. As grandes redes de televisão não chamam por inconveniência à grade de programação. A internet não tem problema de grade; então, os portais poderão fazer debates todo dia. Você pode chamar todos ou em grupo de três. Por que três? Porque normalmente, em campanhas eleitorais, você tem três atores: dois que polarizam e um terceiro que tem chances.
Terra Magazine.

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