Flávio Dino: Nova Lei Eleitoral é um avanço democrático

Em entrevista concedida ao Portal da Fundação Maurício Grabois, o deputado federal Flávio Dino (PCdoB-MA), relator da reforma eleitoral aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 29 de setembro de 2009, explica a essência da nova Lei. Ele também comenta a situação política do Estado do Maranhão e os planos do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) para a sua candidatura a governador em 2010.

Por Osvaldo Bertolino




Leia os principais trechos da entrevista:


Deputado, o que é, na essência, a reforma eleitoral?

Flávio Dino -
Trata-se de um texto que avança, não resolve todos os problemas porque é impossível resolvê-los de uma vez só. Exatamente por isso eu nunca falo no singular, sempre no plural. São reformas políticas. Temos um processo em curso no Brasil e essa lei eleitoral nova se soma a esse processo com alguns avanços bastante notáveis. Destaco a questão da liberação da campanha na internet e o incentivo à participação política das mulheres.

Essa questão da internet deu muita polêmica. Por quê?

Flávio Dino - Porque se cruzaram preconceitos, mitos e interesses comerciais. Desse cruzamento nasceu certa incompreensão em relação ao que procuramos votar. Não é possível esse discurso da internet sem regras. Não houve um debate, portanto, sobre regulação versus liberdade. Porque se o Congresso não editasse algum tipo de regulação a justiça eleitoral o faria. Portanto, o debate não foi sobre regulação versus liberdade, mas sim sobre quem faria essa regulação: o congresso ou a justiça eleitoral. Até esta lei prevalecia a visão de que a regulação deveria ser feita pela justiça eleitoral — que o fez nas eleições de 2006 e 2008, de modo altamente restritivo. Então, é paradoxal imaginar que a lei que veio para liberar é uma lei de restrição. Nós liberamos amplamente o uso dos vários meios disponíveis: redes sociais, com twiter, Orkut, blogs, sites, e-mails. Mas isso não poderia se transformar num vale-tudo. Nenhum valor constitucional, como a liberdade, vigora dissociado de outros valores, entre os quais o da responsabilidade e o da igualdade. No caso do direito eleitoral brasileiro, isso é muito marcante. Há uma preocupação, quando se trata das mídias — todas elas, não apenas as de concessão pública — de encontrar uma certa igualdade de chances entre os candidatos. Por isso, por mais rico que seja o candidato, ele não pode comprar uma página inteira de um jornal, mas apenas 1/8, ou ¼ de página em revista. Porque há uma tentativa de evitar o abuso do poder econômico. Quando nós apresentamos o texto de regulação conjugamos liberdade com responsabilidade a igualdade. E isso, por motivos ideológicos, foi indevidamente transformado num debate sobre censura. Não há nenhuma regra de censura. Pelo contrário, há regras anticensura. Por exemplo: foi bastante atacada a regra que diz que os debates promovidos pelas empresas de comunicação social na internet devem seguir as mesmas regras do rádio e da TV. São regras democráticas que garantem que todos possam participar. Que as minorias políticas possam se manifestar, possam ser vistas, possam ser ouvidas. Portanto, quando nós dizemos que um portal comercial, ao fazer um debate, deve seguir essas regras de isonomia isso não é censura. Isso é anticensura. Isso para evitar que as vozes hegemônicas se transformem nas únicas vozes, em um espaço público importante como a internet.
Outro debate indevidamente chamado de censura era acerca da possibilidade ou não de propaganda paga. Nós proibimos propaganda paga na internet para evitar o abuso do poder econômico. Porque como não havia parâmetros de equidade na internet se se permite propaganda paga os melhores espaços iriam ser adquiridos pelos candidatos mais ricos. E isso é contrário à lógica do direito eleitoral brasileiro, que busca essa certa igualdade de oportunidades, de exposição e de propaganda entre os candidatos.Essas foram as razões pelas quais, sobretudo em motivo dessas duas últimas questões — debates e propaganda paga —, de modo falso isso foi transformado numa visão segundo a qual nós estaríamos defendendo algo contrário à liberdade de expressão. Na minha avaliação, pelo contrário, estávamos garantindo a liberdade de expressão.

A mídia bateu pesado nessa questão. Isso teve repercussão no Congresso Nacional?

Flávio Dino - Chegou a ter. Eu senti uma dificuldade a mais quando da volta à Câmara. Quando nós fizemos o primeiro debate na Câmara o texto foi aprovado por unanimidade. Não houve um único parlamentar que tenha se oposto ao texto. O debate foi ao Senado, e, infelizmente, alguns senadores, até por interesses puramente eleitorais, resolveram aderir a certo discurso — manifestação a meu ver de oportunismo político — de que eram contra a censura. E, contribuindo para essa deformação do debate, isso criou, quando o projeto voltou à Câmara... aí já havia alguns parlamentares expressando essa visão segundo a qual proibir propaganda paga significava censura, ou garantir a participação das minorias em debates significava censura. Ainda assim, nós na Câmara reafirmamos o texto inicial por ampla maioria. Por amplíssima maioria. E tenho convicção de que a experiência concreta em 2010 demonstrará que um cidadão que tem um blog, um mini blog no twiter, uma rede de e-mails, um perfil no Orkut, ou que tem uma comunidade virtual no Orkut, terá amplíssima liberdade. Ele só não poderá cometer crimes. Como, evidentemente, é civilizatório de que não possa cometer crimes porque poderá ser responsabilizado.Quanto ao mais, ele poderá fazer propaganda com quem quiser, chamar, entrevistar quem quiser, no dia que quiser. Um cidadão poderá fazer um debate entre dois candidatos, entre três. Ou poderá chamar todos, ou só alguns. O cidadão não sofre nenhum tipo de constrangimento. Apenas há uma regulação para as empresas de comunicação social na internet. E tenho certeza de que a experiência concreta de 2010 demonstrará que nós produzimos um texto avançado. E um texto que será referência também, inclusive para outros países.

Na sua avaliação, a mídia se opõe à ideia por razões econômicas ou tem um viés ideológico aí?

Flávio Dino - Ambas as perspectivas, que inclusive se casam. Havia interesses comerciais. No caso da propaganda paga tentaram indevidamente vincular as minhas opiniões ao fato de eu pertencer ao PCdoB. Um segmento da grande mídia, sobretudo a menos civilizada, a menos polida, e mais mal educada, tentava identificar, estigmatizar as minhas posições pelo fato de eu ser um parlamentar do PCdoB, um parlamentar de esquerda. Numa tentativa de ganhar no grito o debate. Na verdade, buscava abrir um novo filão publicitário, que seria as campanhas eleitorais.
E havia, no caso dos debates, uma perspectiva ideológica mais visível. Porque alguns acham que de fato temos muitos partidos no Brasil e, portanto, acham que as minorias atrapalham. A meu ver, essa é uma visão ditatorial, porque isso impediria a ideia republicana de alternância no poder político — que é uma ideia liberal inclusive. Portanto, interesses comerciais e ideológicos acabaram levando à tentativa de estigmatizar as minhas posições e deformar o debate. Felizmente, tentativa essa frustrada pela maioria clara que se formou na Câmara em torno das teses centrais que defendíamos.

Existem algumas vertentes no Congresso que defendem com mais convicção a proposta?

Flávio Dino - Nós conseguimos alianças políticas mais amplas até do que propriamente a dualidade esquerda/direita. Tínhamos parlamentares de partidos de esquerda defensores da propaganda paga e tínhamos parlamentares de partidos de oposição ao governo Lula — do DEM, por exemplo — que tinham a nossa concepção de que seria preciso certa regulação para não transformar o jogo eleitoral em vale-tudo. É curioso notar isso. É um tema que merece até ser mais bem investigado. Como havia certa transversalidade nas posições, não havia uma oposição propriamente esquerda/direita, mas sim, eu diria, que se produziu uma dualidade entre aqueles que defendiam certa salvaguarda da política e aqueles que pretendiam subjugar a política a interesses comerciais.
Essa ideia de ficha limpa, ficha suja, se articula um pouco com todo esse debate?Flávio Dino – Exatamente. Isso atende a certa demanda da sociedade, que não podemos menosprezar. Uma coisa é combater o denuncismo hipócrita que alguns setores da política e da mídia praticam. Outra coisa diferente é minimizar as demandas por probidade, por moralidade na vida política. Por isso me alio a esse movimento de regulação da chamada vida pregressa dos candidatos. A meu ver, esse é um tema relevante, importante, e que encontrará um ponto de equilíbrio entre determinados princípios. Por exemplo, o princípio da presunção de inocência com o princípio, também constitucional, de que candidatos que não tenham boa vida pregressa não possam ser eleitos. Então, é como se fossem dois pratos de uma balança. Aos quais temos de procurar em cada momento dosar adequadamente. A clássica questão do remédio e do veneno. Não podemos exagerar na dose do remédio porque vira veneno. Acaba virando.Se não regular de modo bem objetivo quais os parâmetros de aferição do que constitui boa vida pregressa, isso pode se prestar a todo tipo de casuísmo e de perseguições, de exclusão de determinadas correntes, ou de determinados postulantes, de modo até perverso. Portanto, temos de ter cuidado. Mas o debate deve ser feito. E eu me somo, me alio, àqueles que querem regular isso por lei complementar.

Deputado, fale um pouco sobre a situação do Maranhão, sobre a polêmica com o prefeito de São Luis, o tucano João Castelo.

Flávio Dino -
Nós ingressamos com ações judiciais. Tínhamos não apenas esse direito, mas o dever de entrar com as ações. Em primeiro lugar, pelo modo como se deu o segundo turno. Na verdade, a maioria eleitoral que se produziu em torno do candidato João Castelo foi fabricada. Fabricada na força bruta. Força física, inclusive. E força do dinheiro, e da máquina administrativa e do poder econômico. Então, se produziu essa maioria em torno do candidato João Castelo. A Polícia Federal identificou alguns crimes eleitorais, produziu inquéritos, realizou diligências. Inclusive tínhamos, com base nisso, uma obrigação para com a sociedade de São Luís, com a cidade, de ingressar com ações judiciais. Ingressamos e elas estão tramitando no ritmo próprio da Justiça. Já foram realizadas várias audiências. Acredito que até o final do ano, pelo menos uma parte dessas ações seja inicialmente julgada. Mas é uma batalha de longo curso que pretendemos levar até o TSE, porque técnica e juridicamente tenho total convicção de que a lei, sendo aplicada, o resultado será a cassação do prefeito João Castelo.

O PCdoB e o senhor mesmo têm feito certa denúncia do não cumprimento das promessas pelo prefeito. Quer dizer, há um embate político que prossegue aí...

Flávio Dino - Prossegue também. Nós não desvinculamos o processo jurídico, judicial, da luta política. Temos a nossa bancada na Câmara Municipal. Um Comitê Municipal muito atuante. E temos buscado sintonia com os movimentos sociais, porque hoje o índice de rejeição ao prefeito João Castelo em São Luís chega a quase 70%. E temos apontado as razões dessa rejeição.Na verdade, ele não tem cumprido sequer o programa dele. Evidentemente, como ele venceu as eleições não esperávamos que ele cumprisse nosso programa. O nosso programa foi minoritário, que compreendia as políticas sociais, a distribuição da renda, do poder, a participação popular como questões essenciais. Esse programa foi vencido.
Porém, o programa dele também não está sendo observado. E ele não tem feito as obras que prometeu. Por exemplo, no horário eleitoral ele dizia que no primeiro semestre iria construir um grande hospital, que já tinha o terreno, para desafogar a rede pública municipal. Hoje não há sequer o seu início. Lógico, em seis meses não daria tempo para construir um hospital, mas pelo menos daria para começar a fazer, começar a cuidar do assunto. Não há nenhuma movimentação nesse sentido. E mesmo as promessas assistencialistas e demagógicas feitas por ele não vêm sendo observadas. Portanto, temos feito uma veemente denúncia política. Novamente: a meu ver, é o papel da oposição.
Ele tentou recentemente esmagar a nossa atuação, adjetivando nosso partido como partido de canalhas. Ele até cometeu esse excesso verbal pouco civilizado — o que demonstra a sua formação política. Mas nós continuamos nessa linha de atuação porque acreditamos que a grande contribuição da oposição seja exatamente fiscalizar e cobrar. Exatamente o que temos feito, com base no programa apresentado por ele à sociedade.

Dá para adiantar alguma coisa sobre as articulações para 2010?

Flávio Dino -
O PCdoB apresenta minha pré-candidatura ao governo do Estado, com a leitura segundo a qual os grupos dominantes se revelam incapazes de enfrentar o desafio do desenvolvimento. O Maranhão recentemente, no ranking do índice de qualidade de vida, ficou novamente em penúltimo lugar. À frente somente de Alagoas, quase empate técnico, levando em conta os quesitos educação, saúde e emprego e renda. Enquanto isso, há um forte contraste entre essa realidade social e as imensas potencialidades econômicas do Maranhão, por uma série de características, inclusive geográficas.
O Maranhão tem um complexo portuário de alta qualidade, é cortado por três ferrovias: a histórica ferrovia São Luís-Teresina, a Norte-Sul e também a da Vale, do Grande Carajás, que compõem, portanto, um sistema de transporte associado evidentemente a rodovias de qualidade, uma posição geográfica privilegiada a dois graus da Linha do Equador, próximo dos grandes centros consumidores do planeta, da Europa ocidental, do Japão, dos EUA. Não tem problemas climáticos significativos, regime de chuvas. É um Estado extenso, com terras férteis.
Portanto, temos muitas possibilidades de negócios que agreguem valor, que gerem emprego e renda, e com isso melhore a qualidade de vida do povo. Mas a baixa qualidade da gestão pública vem até agora travando o desenvolvimento do estado. Tivemos uma tentativa em 2006 de gerar uma perspectiva nova, com a vitória do Jackson Lago, com nosso apoio inclusive, mas infelizmente essa perspectiva inovadora se frustrou, por muitas razões. E agora temos uma situação de paralisia do Estado, uma vez que vamos passar praticamente quatro anos sem governo.
Porque nem o Jackson conseguiu completar minimamente uma obra administrativa por uma série de dificuldades do seu governo e pela cassação. E nem a Roseana terá tempo hábil para implementar qualquer política consistente. Portanto, passaremos quatro anos em que o estado vai andar de lado, ou para trás até 2010. Essa é a leitura da realidade que justifica essa iniciativa do PCdoB de apresentar à sociedade, e aos demais partidos aliados, sobretudo àqueles que nos acompanharam na eleição municipal, essa pré-candidatura ao governo do estado.
A interface com a governadora Roseana Sarney está posta? Ou não há essa possibilidade?
Flávio Dino - Nós temos uma relação civilizada com todas as correntes políticas. Uma relação de amplo diálogo, porque não transformamos a luta política em uma luta contra pessoas. Nós lutamos contra visões, contra concepções. No entanto, pela nossa avaliação, essa aliança é inviável por tudo o que ela representa. Essa aliança significaria o reforço de traços fundamentais do atraso maranhense. E por isso nós buscamos um caminho próprio, um caminho independente, respeitando as demais correntes políticas, todas elas, porém um caminho independente que sinalize para a sociedade uma perspectiva realmente diferente, inovadora, transformadora.

Fonte: Portal da Fundação Maurício Grabois

Nenhum comentário:

Postar um comentário