Proposta de iniciativa popular chega ao Legislativo para barrar ficha-suja
Eugênia Lopes, BRASÍLIA
Documento prevê que pessoas condenadas ou denunciadas por tribunal sejam impedidas de disputar eleição
O Congresso vai receber hoje proposta de lei complementar que não é de autoria do Executivo nem de nenhum parlamentar. Depois de colher mais de 1,3 milhão de assinaturas nas ruas do País, a chamada "proposta de iniciativa popular" dos fichas-sujas, que vai ser entregue ao presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), tentará definir de uma vez por todas em que condições um candidato processado pode disputar uma eleição - o que o Legislativo até hoje não conseguiu fazer.
Do jeito que está redigida, a "proposta popular" prevê que não poderão concorrer pessoas condenadas em primeira instância, ou com denúncia recebida por um tribunal, por crimes de racismo, homicídio, estupro, tráfico de drogas e desvio de verbas públicas. Também são excluídos da disputa os já condenados por compra de votos ou uso da máquina.
Aprovada em tempo recorde na Câmara, há duas semanas, a minirreforma eleitoral, já encaminhada para sanção do presidente Lula, liberou o uso da internet nas campanhas eleitorais de 2010, manteve as doações ocultas das empresas para os partidos - o que não permite identificar a doação direta para o político -, mas, mais uma vez, deixou de lado a regulamentação para o veto legal às candidaturas de políticos com ficha suja.
Ainda não se sabe se quem tiver sido condenado pela Justiça ainda poderá se candidatar livremente, nas eleições de 2010, caso a lei de iniciativa popular seja aprovada até junho, prazo final para o registro das candidaturas. "Na minha interpretação não tem como isso valer para as eleições do ano que vem. É uma alteração que está sendo feita por lei complementar e acho difícil essa tese vigorar já", afirma o deputado Flávio Dino (PC do B-MA), juiz e ex-relator da reforma eleitoral na Câmara.
A Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais (Abramppe) está, no entanto, confiante de que as novas regras contra os fichas-sujas poderão ser aplicadas já nas próximas eleições. Em maio de 2006, os parlamentares aprovaram mudanças na legislação eleitoral, como a proibição de showmícios e de distribuição de camisetas, que valeram para as eleições municipais daquele ano. "Existe esse precedente do Tribunal Superior Eleitoral. Se aprovada, ficará nas mãos da Justiça decidir quando a legislação começa a valer", admite Dino.
A data de hoje escolhida pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral para entregar o projeto popular a Temer é simbólica - marca os dez anos da Lei 9.849/99, que tipificou o crime da compra de votos. Também de iniciativa popular, a proposta alterou a lei eleitoral, de 1997, ao enxertar o artigo 41-A, deixando claro que um candidato não pode "doar, oferecer, prometer, ou entregar" algo ao eleitor que configure "captação ilícita de votos".
Não pode ainda "oferecer vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública". A punição é a cassação. Foi com base nesse artigo 41-A que foram cassados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) os mandatos dos governadores Cássio Cunha Lima (PB), Jackson Lago (MA) e Marcelo Miranda (TO). Depois dessa alteração, o ritmo de sentenças de perda de mandato por abuso de autoridade e de poder econômico explodiu na Justiça Eleitoral.
MOVIMENTO
Antes mesmo de sua chegada à Câmara, grande parte dos parlamentares considera o projeto muito duro ao proibir candidatura de pessoas condenadas apenas em primeira instância. Há um movimento no Congresso para que a inelegibilidade só ocorra para os condenados em segunda instância pela Justiça. Outro ponto do projeto que deverá enfrentar dificuldades é o que barra candidatura de parlamentares que renunciaram ao cargo para evitar a abertura de processo por quebra de decoro.
"Temos de priorizar um critério objetivo. Mas não pode ser apenas o fato de o sujeito estar respondendo a processo que vai deixá-lo inelegível", argumenta ACM Neto (DEM-BA), corregedor-geral da Câmara. "Defendo esse projeto e acredito que a condenação em primeira instância já é o suficiente. Para ser condenado em primeira instância, já ocorreram dois fatores: o Ministério Público ofereceu denúncia que foi aceita e já houve uma condenação", afirma Flávio Dino.
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