No Blog do Zé Dirceu: "Reforma política não é um momento, é um processo."

A entrevista abaixo foi publicada dia 11 no Blog do Zé Dirceu. Tratei de variados assuntos com o ex-ministro, entre os quais reforma política, eleições para ministros do STF, juizado especial da fazenda pública e a situação do Maranhão. Ficou bem interessante. Confira.



Reforma política não é um momento, é um processo

A análise é do deputado Flávio Dino (PC do B / MA) que após renunciar à magistratura - e, com certeza, a um futuro promissor de juiz - candidatou-se e elegeu-se em 2006 para o mandato que cumpre atualmente.

Juiz afastado voluntariamente da profissão, professor e político, Dino tornou-se umas das principais lideranças da esquerda no Maranhão e um dos grandes defensores das reformas institucionais necessárias ao Estado brasileiro. Esse ano, passou a ser conhecido nacionalmente por sua atuação nas discussões da reforma política.Ele foi o relator da reforma eleitoral aprovada na Câmara dos Deputados - agora em tramitação no Senado - e é o autor, também, da proposta de financiamento público de campanha, que estabelece um sistema misto e exclui a participação das empresas privadas no aporte de dinheiro para a disputa eleitoral. Seu objetivo, explica, é diminuir a influência do poder econômico para garantir o processo democrático.

Aos 38 anos, Dino é sinônimo de inovação no Congresso. Apresentou uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) propondo mandato para os ministros do Supremo, modificando o atual caráter vitalício do cargo. O deputado também participou da construção do Pacto Federativo - o acordo entre os chefes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, para agilizar a área do Judiciário - que, em suas palavras, "procurou atualizar as metas à luz do agigantamento dos mecanismos de investigação, e as graves questões que deles derivam".Didático, Dino explica a essência do Pacto: "ela é marcada pela lógica da garantia, ou seja, como você garante que o sistema de justiça funcione, cumpra o seu papel, porém não de modo a ignorar as leis da democracia e de respeito às regras do jogo. Se você não tem regras estabelecidas, estáveis e minimamente previsíveis você não tem Justiça, e sim justiçamento".

[ Zé Dirceu ] Qual a sua avaliação sobre a reforma política no país? O que precisamos para que ela efetivamente aconteça e, principalmente, qual reforma política?

[ Flávio Dino ] Essa é a questão. A dificuldade em definí-la dificulta o consenso entre a maioria. Cada um tem a sua receita. Como o Congresso é muito fragmentado e não há na democracia brasileira uma hegemonia clara, você tem campos políticos marcados pela heterogeneidade. Ou seja, não há uma hegemonia política nos setores da política brasileira. Então, existem receitas individuais: cada um com sua noção de reforma política na cabeça, como se fosse escalação da seleção brasileira. Como formaremos maioria nesse processo? Só consigo visualizar a partir da história brasileira marcada por grandes transições – nós levamos 38 anos para abolir a escravatura, 10 para superar a ditadura militar. Tenho um mantra que repito: “reforma política não é um momento, é um processo”. Nós temos uma reforma política exitosa no Brasil. Bem ou mal, nosso sistema político funciona e é capaz de dar governabilidade ao país. A direita e a esquerda - Fernando Henrique Cardoso e Lula - conseguiram implementar seus programas no governo e com esse Congresso. Na realidade, há um redesenho das instituições democráticas a partir dos anos 80 que foi vitorioso, mesmo do ponto de vista institucional. Também temos uma reforma política em curso desde 1995, quando votamos a nova lei orgânica dos partidos. Em 1995/1996, portanto, temos a lei dos partidos; depois uma lei geral de eleições em 1997, que até hoje está em vigor. Houve a lei da captação ilícita de sufrágios (contra a compra de votos). E finalmente a Lei 11.300 de 2006, que pôs fim aos showmícios, distribuição de brindes etc. Do ponto de vista jurídico e formal, nós temos uma reforma política em curso.

[ Zé Dirceu ] E a reeleição.
[ Flávio Dino ] A reeleição e uma série de medidas legislativas nos últimos dez anos.

[ Zé Dirceu ] A criação do fundo partidário.Diminuir o peso econômico nas eleições
[ Flávio Dino ] Sim, na lei de 1995/96. Esse processo é vitorioso e aconteceu paralelamente às medidas administrativas. Nós temos o cadastro eleitoral que ninguém coloca em dúvida. Esse era um problema desde a República Velha, mas hoje é confiável. Temos a experiência das urnas eletrônicas.Portanto, a principal premissa nesse debate sobre a reforma política é que não tenhamos ansiedade. Temos que considerar a realidade nacional, do ponto de vista macro; e a histórica, especifica da reforma política no Brasil. E claro, prospectar os caminhos possíveis do presente momento. Se não é possível o programa máximo, quais são os caminhos hoje que conduzem a ele?Quando construímos o texto sobre o financiamento público, recentemente apresentado, tivemos a retomada dessas teses que desde 2001 são debatidas. A orientação é valorizar o debate programático e diminuir o peso do poder econômico nas eleições. Esse é o programa máximo. Agora, como ajustamos as teclas? Se o programa máximo se revelou mais uma vez impossível dado o quadro de fragmentação do Congresso etc., precisamos ver o que é possível fazer.Eu imagino dois movimentos. O primeiro é negociar uma lei ordinária através da qual consigamos cumprir duas diretrizes fundamentais: uma é diminuir o peso do dinheiro no processo político e separar política dos negócios, ou seja, mexer no financiamento de campanha; a outra é o Congresso retomar o comando da definição das regras do jogo político no Brasil. Essas duas diretrizes devem presidir a construção desse projeto de lei que tem os dois atributos de relevância e viabilidade.O segundo momento é a tese da revisão constitucional. Aí sim, em outro ambiente que chamo de concentração da energia cívica, porque somente um processo desses viabilizará. Apenas assim, poderemos construir uma maioria para reformas mais profundas.

[ Zé Dirceu ] Você apresentou um projeto de financiamento público na Câmara?
[ Flávio Dino ] Apresentei um de financiamento público exclusivo, mas já imaginava a dificuldade que enfrentaria. O que busco nesse projeto que apresentei? Em primeiro lugar, tirar o financiamento de pessoa jurídica e deixar apenas o de pessoa física, reforçar os mecanismos de financiamento público que já existem – essencialmente fundos partidários. A idéia é fortalecer o financiamento público de campanha, tirar as empresas e deixar os cidadãos liberados, porque do ponto de vista constitucional, isso significa uma espécie de emanação da liberdade de expressão, a liberdade de convicção política, afinal, um dos modos do cidadão apoiar é doar dinheiro para o candidato. E finalmente, trazer o limite de gastos e de doações, que hoje não está definido, cada um define como quer. Há um limite de doação, não de gastos. O candidato se auto-limita e pode rever sua posição. Por exemplo, eu posso gastar R$ 3 milhões e depois querer mais R$ 5 milhões. Então, é preciso um limite de gastos e a revisão do teto de doação. O objetivo é manter o caráter misto do financiamento de campanha, mas como em uma balança: colocar mais peso no financiamento público e em contrapartida tirar as empresas. Aliás, é cada vez é mais difícil haver financiamento de empresas.

[ Zé Dirceu ] A Câmara terá que legislar inclusive sobre outros sistemas, como a internet.
[ Flávio Dino ] A legislação é altamente restritiva à internet. O TSE entende que ela é igual televisão, o que é um contrassenso, porque internet é um meio democrático e quase gratuito de campanha. Não tem que restringir, mas liberar.Há um debate por trás disso tudo que chamo de aristocratização dos direitos da política no Brasil. O que significa isso? Os corpos burocráticos do Estado acabaram se avantajando por conta da crise da política. Como você tem uma crise na representação e na funcionalidade do parlamento, quem ocupou esse espaço foram os corpos burocráticos do Estado por meio de dois mecanismos: o Executivo através das medidas provisórias; e o sistema de Justiça, através dos processos de tribunalização.Pacto federativo, pela Justiçae não justiçamento.

[ Zé Dirceu ] Nesse sentido, como você avalia o sistema judiciário e a situação do Supremo Tribunal Federal hoje? E quanto ao pacto federativo para impedir abusos de autoridades e desvios da lei?

[ Flávio Dino ] O pacto é uma boa idéia, bem sucedida. O primeiro pacto foi vitorioso, eu acompanhei no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), trabalhando com o Jobim, como secretário geral. Nós fizemos o primeiro pacto com o Márcio Thomas Bastos. Construímos e foi exitoso. Permitiu a aprovação da reforma do Judiciário, a implantação do Conselho Nacional de Justiça, a adoção de mecanismos que fizeram pela primeira vez na nossa história que a tendência não seja o crescimento do número de processos no Supremo e no STJ, mas o contrário. Ano a ano, a partir da emenda constitucional 45, este número vem caindo. Então, foi um pacto bem sucedido do ponto de vista da operacionalidade do sistema judiciário.O segundo pacto procurou atualizar as metas à luz dos novos desafios, sobretudo, o agigantamento desses mecanismos de investigação, e as graves questões até filosóficas que deles derivam. Em toda investigação você tem dois direitos de igual dimensão: o da sociedade de reprimir a criminalidade do sistema penal; e outro direito de igual proporção, de quem está sendo acusado se defender e ter a garantia do contraditório etc.Na minha avaliação, houve um desequilíbrio no balanceamento desses dois direitos fundamentais, sempre em conflito quando se trata de uma investigação. Daí surgiu a motivação principal do segundo pacto, cuja essência é marcada pela lógica garantista, ou seja, como você garante que o sistema de justiça funcione, cumpra o seu papel, porém não de modo a ignorar as leis da democracia e de respeito às regras do jogo. Se você não tem regras estabelecidas, estáveis e minimamente previsíveis você não tem Justiça, e sim justiçamento. Essa é a essência do segundo pacto, ele é correto e estamos conseguindo dar funcionalidade a ele também.

[ Zé Dirceu ] E em relação ao Supremo?
[ Flávio Dino ] É um capítulo a parte, porque nós tivemos um movimento bastante significativo em relação ao Supremo. Houve um redesenho do STF nos últimos 10 anos. Ele deixou de ser uma corte judiciária classicamente e passou a ser uma terceira Casa Legislativa. Hoje, o sistema legislativo brasileiro é tricameral: é Câmara, Senado e Supremo. Não existe nenhuma medida legislativa importante que não será discutida no STF. Resumidamente, a consolidação de constitucionalidade das leis e instrumentos novos como a PPE, sobretudo. Por exemplo, a revogação da lei de imprensa. Depois de o Congresso discutir durante 20 anos, veio o Supremo em duas semanas e revogou a Lei de Imprensa. Se somarmos o controle de constitucionalidade das leis, a argüição do descumprimento do preceito fundamental, e mais recentemente, a súmula vinculante e repercussão geral, você tem uma imensa concentração de poder desse órgão político.Eu apresentei recentemente a PEC propondo mandato para os ministros do Supremo. A tese não é nova, mas bastante antiga no mundo e também no Brasil - o texto que o PT apresentou à Constituinte em 1985, também previa isso, sob a coordenação do Fábio Konder Comparato. Com base nas experiências internacionais, estou propondo mandato de 11 anos. O segredo do mandato é que ele não pode ser muito curto, porque a jurisprudência oscilaria muito rapidamente e você não teria segurança jurídica; nem pode ser muito longo. Então, onze anos correspondem a algumas experiências internacionais e permitem que o Supremo conviva com três presidentes da República - aquele que o nomeou e mais dois, já que só tem uma reeleição.Por que o mandato? Para republicanizar o Supremo. Se você tem uma instância política que é uma terceira casa legislativa com vitaliciedade, não tem mais congruência. Na vitaliciedade, até na construção weberiana, a estabilidade é algo próprio dos corpos burocráticos do Estado, um atributo da profissionalização e da independência do servidor do Estado. Na medida em que o ministro do Supremo é um agente político, este deve se submeter a essa regra republicana de alternância do poder. A maior conseqüência dessa definição e do redesenho do Supremo é adotar mecanismos institucionais novos que permitam fazer com que ele não perca o seu papel. A chamada judicialização ou tribunalização da política é inevitável, já está presente na vida brasileira. Agora, vamos extrair as conseqüências institucionais disso.É o que chamo combater a aristocratização da política, porque se você tem o Supremo com vitaliciedade e leva essas garantias ao extremo, isso gera um ilhamento que pode gerar – não é dado, mas pode – uma hierarquização e aristocratização. Na medida em que a política é toda normatizada, ao aristocratizar o direito, você aristocratiza a política. Hoje detalhes de como é feita uma pré-campanha ou como se organiza uma reunião eleitoral, o volume do carro de som, se tem ou não panfletos - se tudo isso é normatizado na Justiça Eleitoral, você pode dizer, em última análise, que quem conduz o jogo político é o corpo burocrático do Estado e isso pode levar a uma negação da democracia.

[ Zé Dirceu ] Você apresentou um projeto que cria juizado especial para a Fazenda Pública, para agilizar julgamento das causas civis contra o Estado, quais são os benefícios da medida?

[ Flávio Dino ] O projeto é do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) e eu o relatei na Câmara. A idéia é eliminar uma incongruência existente hoje. Por exemplo, se o cidadão sair e se envolver em um acidente de trânsito com um veículo do governo federal, ele irá discutir esse problema no juizado especial federal. Agora, se for um veículo do governo do Estado ou prefeitura, ele não pode acionar o juizado especial, mas tem que se submeter ao rito comum, às instâncias normais do Judiciário. A legislação está incongruente, não pode haver um cidadão federal, outro estadual ou municipal, o cidadão é um só. Foram criados juizados federais, que são na verdade da Fazenda Pública Federal e não às fazendas públicas estaduais ou municipais. O benefício é permitir que cidadãos, micro e pequenas empresas, quando tiverem uma controvérsia no valor inferior a 70 salários mínimos, possam discutir mais rapidamente com menos burocracia e mais efetividade. É também um mecanismo de controle de ilegalidades cometidas pelos governos estaduais ou municipais.

[ Zé Dirceu ] Você disputou o governo, a prefeitura de São Luís (MA). Qual sua avaliação dos primeiros 100 dias do governo de João Castelo (PSDB)?

[ Flávio Dino ] É um governo que tem a marca da inércia. É inoperante. Neste ano, tivemos problemas de deslizamento de terras – por conta das chuvas – que acometeu o Maranhão e teve conseqüências graves em São Luís. Houve alagamento e isso gerou duas mortes na cidade. O prefeito levou 40 dias para decretar estado de calamidade e emergência na capital. Não tomou nenhuma providencia imediata, tampouco estruturou uma política pública que pudesse mudar a face excludente da cidade. A saúde pública é absolutamente caótica em São Luís. O sistema não funciona objetivamente – e não estou falando de alta ou média complexidade. Nem a atenção básica, nem os postos de saúde funcionam. Ele não lidou com nada disso, nenhuma política que possa mudar a face excludente e injusta de não funcionamento dos serviços essenciais. E não vem sequer cumprindo o programa dele, o que é mais grave.Ele não cumprir o nosso programa é esperado - o programa dele foi o vitorioso, tudo bem. Agora, não cumprir nem o dele? O programa dele tinha duas marcas principais: grandes obras – obviamente demagógicas nesse momento de dificuldade fiscal; e políticas sociais. Ele dizia que iria reimplantar um programa de distribuição de cesta básica de quando ele fora governador na ditadura, chamado Bom Preço. Dizia que iria implantar um programa de distribuição de leite nas escolas, programa de distribuição de uniformes para crianças da rede municipal. Nada. Nem indícios de que vá fazer.É uma administração que, infelizmente, está dentro do que esperávamos e tem essa marca de não mudar nada do que deve ser mudado – essa parte excludente e de ineficiência do serviço público. E é uma administração que não atende requisitos mínimos de eficiência na gestão da administração.

[ Zé Dirceu ] O PT e o PCdoB estão na oposição?
[ Flávio Dino ] O governo municipal hoje é essencialmente PSDB e PDT. O PDT já está no comando da máquina desde 1988.

[ Zé Dirceu ] Como está o Maranhão hoje?

[ Flávio Dino ] As enchentes foram emblemáticas. Elas revelaram primeiro um quadro social dramático de pobreza do povo. Através das imagens veiculadas nacionalmente, o Brasil viu as submoradias, as casas precárias, o sofrimento do povo que já vive num estado de pobreza que se agudiza para um estado de calamidade. As enchentes revelam isso de um lado e, de outro, a desorganização da máquina pública para dar conta do normal. Esses mecanismos tradicionais de vigilância sanitária, defesa civil, assistência à saúde ordinariamente não funcionam. Diante de um quadro excepcional, então, sublinha-se esse mau funcionamento do serviço público.Jackson Lago: desacertos políticos.Politicamente, o Jackson [Lago] caiu por conta dos desacertos políticos que cometeu. Não vejo a cassação do Jackson como um fenômeno jurídico, mas político, que obteve uma faceta nos tribunais. Mas o cerne do problema é que foi uma frente política completamente heterogênea que ficou sem direção política, e pior, aquela que nós desejávamos.Quando na disputa política de São Luís e de Imperatriz (as duas maiores cidades do Maranhão) o Jackson e a máquina pública estadual se movimentaram em direção ao PSDB - fortemente, a ponto de decidir o segundo turno em São Luís – isso gerou o descolamento de toda a base social que imaginava que esse governo representaria uma face nova na vida política do Estado. O que aconteceu nas eleições foi antecedido por alguns fatos: por exemplo, a longa greve de 100 dias dos professores, em razão da perda de seus direitos; a greve dos policiais.O governo foi se descolando da sua base social e por isso se fragilizou a tal ponto de haver um processo judicial de cassação, sem nenhum tipo de resistência popular, nem apoio ao que o governador apresentava como legítimo. A partir desses eventos, evidenciou-se ainda mais a construção de um pólo à esquerda na política maranhense. Essa é a nossa agenda e penso que 2008 foi o ensaio mais geral para a construção desse pólo mais à esquerda. Na realidade, um pólo que tem uma faceta democrática, popular, moderna, republicana e seja capaz de reconstruir a gestão pública fundada em parâmetros como legalidade, desenvolvimento, impessoalidade, capacidade do Estado ser indutor do desenvolvimento de modo mais universal, com políticas sociais inclusivas. Hoje, um programa de esquerda no Maranhão é completamente atual.

[ Zé Dirceu ] A rigor o Maranhão não teve nos últimos anos um programa de desenvolvimento? Uma organização dos trabalhos produtivos do Estado? O avanço da fronteira agroindustrial vem sendo organizado?

[ Flávio Dino ] Exatamente. Em primeiro lugar, por uma construção derivada de algumas circunstâncias naturais. O Maranhão está a dois graus da Linha do Equador, portanto é bom ter uma base aérea espacial lá, a Base de Alcântara. O Maranhão tem um dos maiores portos do mundo, dadas as condições naturais que permite o atracamento de grandes navios, inclusive com a maré baixa - o que evidentemente diminui o custo. Então, o melhor é exportar toda a produção da província mineral do Carajás por São Luís e não por Belém. Esses foram fatores naturais que acabaram conformando a realidade do Estado.Depois, mais recentemente, o avanço da fronteira com o agronegócio – sobretudo, a monocultura da soja. Agora, tanto num quanto no outro caso, você não agrega valor. Não existe um processo produtivo em que se agregue valor, gere bens e rendas e com isso ciclos inclusivos de desenvolvimento. Um programa, que eu chamo à esquerda, teria que fazer exatamente isso: com que essa base geográfica e natural que já existe seja redimensionada e capitalizada num projeto de desenvolvimento capaz de dar conta das tarefas de inclusão social e distribuição de justiça. Há uma imensa oportunidade nova que é a implantação de uma das maiores refinarias – senão a maior – do Brasil. A operar com capacidade produtiva máxima em 2015. E mesmo ela, se não conseguirmos um processo de implantação organizada com gestão pública, tende a ser mais um problema do que uma solução. Vai gerar 100 mil empregos na fase de construção – fantástico! Mas teremos um passivo social que irá derivar daí, uma sobrecarga do serviço de saúde, educação, habitação, segurança. Se você não tiver a combinação da implantação do empreendimento com políticas públicas que dêem conta desta tarefa, o que é para ser solução vira um problema.

O governo Lula fincou a bandeira do desenvolvimento

[ Zé Dirceu ] Quais suas expectativas para 2010? Quais as relacionadas à pré-candidatura de Dilma Rousseff e sua avaliação do governo Lula que está indo para o seu último ano?

[ Flávio Dino ] O governo Lula é vitorioso. Com todas as dificuldades e senões no meio do caminho, conseguiu dar conta das tarefas para as quais foi eleito e que são possíveis nesse momento da história brasileira. O governo Lula conseguiu fincar a bandeira do desenvolvimento, criou as bases do desenvolvimento sustentável numa dimensão estratégica: pela primeira vez inverteu a curva de concentração de riqueza, ainda que de modo muito tênue, mas conseguiu inverter em razão, sobretudo, das políticas sociais. Também ampliou o mercado do emprego formal; implantou fortemente uma política externa criativa, imaginativa e adequada para um mundo multipolar. É um governo vitorioso e nós temos, portanto, legitimidade, credibilidade para apontar uma alternativa ao povo que represente a continuidade dessas linhas gerais do governo Lula. A ministra Dilma, neste momento, é quem representa melhor esse sentimento e esse programa. Nós precisamos, evidentemente, ousar mais do ponto de vista programático. Do ponto de vista do PC do B, nós temos hoje espaço para uma queda mais acelerada da taxa de juros, por exemplo. Há espaço econômico e macroeconômico para isso. O risco não é mais como em 2003, quando esse governo se iniciou.Com essas considerações de ajustes programáticos – sobretudo no terreno macroeconômico e na radicalização de políticas sociais – há também a tarefa inconclusiva da reformulação do Estado. O governo é vitorioso na política macroeconômica, nas políticas sociais e externas, porém não é no redesenho do Estado que é a ampliação do espaço da participação popular, reforma política, redesenho do sistema tributário para torná-lo menos regressivo e mais progressivo, redistributivo (ampliando o peso dos impostos diretos, diminuindo o peso dos impostos indiretos). Essas são tarefas que ficaram para um segundo plano e que devem estar no núcleo de um novo ciclo que possa ser inaugurado com a vitória de 2010.Não é uma tarefa simples, é uma gama de interesses que hoje se articulam em torno do PSDB. Não são só do capital nacional e internacional, mas sociais mesmo. A disputa por espaços na máquina pública é da dimensão da política. O [Max] Weber diz que a disputa política é por programas e por espaço na máquina pública para implementar o projeto. As duas disputas tem a mesma magnitude, há interesses de pessoas que estão há oito anos desalojadas do comando da máquina pública.

[ Zé Dirceu ] Alguns estavam há 40 na máquina pública...

[ Flávio Dino ] Aí dói mais ainda... Quando você soma os setores sociais que não se identificam com esse programa, os interesses desses contrariados (normais em toda gestão pública) e dos segmentos descolados de onde sempre estiveram historicamente, você forma uma base material que sustenta uma candidatura forte de oposição. Nós temos que, em primeiro lugar, fazer o que o Celso Furtado dizia, “recuperar o gosto pela imaginação”. Tem que ser imaginativo. Como você consegue se mover nesse terreno? Segunda premissa é não parar de se movimentar. Se você enfrenta um exército regular mais forte do que você, a saída é não parar de se mover. Não pode ter comodismo e se deitar no leito generoso da vitória antes da hora. Em terceiro lugar, é preciso atualizar o programa com essas questões institucionais, de Estado, tributária, reforma política e política de juros. E em quarto lugar fazer o diálogo olho no olho com o povo. Há quatro meses, eu estava no interior do Maranhão numa reunião com 14 lideranças de assentamentos no município de Caxias (MA) e um público de mais 120 pessoas. Falei sobre o quadro político e uma das lideranças disse: “deputado, não sabemos quem é o seu candidato. Mas qual é o candidato do Lula? A gente quer votar é nele”. O povo bateu palma e isso a cem quilômetros da sede do município no interior do Maranhão. É para esse povo que temos fazer campanha olhando nos olhos e dizendo: são dois caminhos muito claros e nítidos e você conhece as duas experiências. Sua excelência, o eleitor, decide.

[ Zé Dirceu ] Eu digo sempre, nada indica que o Brasil queira devolver o país às mãos dos tucanos

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