Veto à Emenda Cacciola


Esta é mais uma batalha que estamos travando. Defendo o veto à Emenda Cacciola, pois é inconstitucional e estimula a impunidade. Há cerca de dez dias abordei o tema e anunciei que iremos ao STF caso o presidente Lula não vete a proposta. Veja abaixo a matéria do jornalista Luiz Orlando Carneiro, do Jornal do Brasil.


'Emenda Cacciola', uma polêmica para Lula
Luiz Orlando Carneiro, Jornal do Brasil

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva volta de sua longa viagem ao exterior com um problema urgente para resolver: Vetar como propõe o Ministério da Justiça ou promulgar como defende o Banco Central o artigo 78 do projeto de conversão em lei da MP 449, aprovado pelo Congresso, que trata da renegociação de dívidas tributárias dos contribuintes da União. O dispositivo, que ganhou a alcunha de Emenda Cacciola, dá uma carta branca aos ministros, ao presidente do Banco Central e a outros agentes públicos incumbidos da execução de medidas excepcionais destinadas a assegurar liquidez e solvência do Sistema Financeiro Nacional, de regular o mercado de câmbio e de capitais e de resguardar os interesses de depositantes e investidores. Eles ficariam isentos da prática de qualquer crime, com base na exclusão de ilicitude, prevista no artigo 23 do Código Penal.

O deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), que foi juiz federal, já tem pronto o esboço de uma ação de inconstitucionalidade a ser ajuizada no Supremo Tribunal Federal por seu partido, caso o presidente Lula promulgue a lei resultante da MP 449 tal como está.

"Nunca vi uma coisa dessas: exclusão da ilicitude de determinadas condutas por atacado, sem exame pelo Judiciário de caso a caso", comenta o parlamentar.

O projeto a ser convertido em lei poderia vir até a beneficiar o ex- dono do Banco Marka, Salvatore Cacciola, que se encontra preso, depois de extraditado pelo Principado de Mônaco, respondendo a ação penal por crimes contra o sistema financeiro. Ele não é agente público, mas seu banco foi beneficiário de medidas excepcionais como as referidas no artigo 78 do projeto a ser convertido em lei.

Na quinta-feira, o ministro da Justiça, Tarso Genro, enviou à Casa Civil da Presidência sugestões para o veto parcial do projeto, a fim de que não haja possibilidade de anistia para casos análogos ao de Cacciola. O assunto é tratado sigilosamente, tanto no Ministério da Justiça como na Advocacia-Geral da União.

A base da eventual ação a ser proposta no STF pelo PCdoB está no artigo 62, parágrafo 1º da Constituição: É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria relativa a direito penal, processual penal e processual civil.

Ao tratar da exclusão de ilicitude, a chamada Emenda Cacciola entra na seara do Código Penal, que assim define esse tipo de exclusão: Não há crime quando o agente pratica o fato em estado de necessidade; em legítima defesa; em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Neste caso, o agente só é punível quando houver excesso doloso ou culposo.

A Associação dos Juízes Federais do Brasil, por sua vez, aprovou nota técnica sobre o assunto já enviada ao ministro da Justiça, à chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff e ao advogado-geral da União, José Antonio Toffoli na qual também considera direito penal e medida provisória conceitos inconciliáveis.

Ainda conforme a manifestação da Ajufe que pede o veto total do artigo 78 do projeto de lei - se criar crime representa uma atividade que exige reflexão e ponderação incompatíveis com a urgência que caracteriza as medidas provisórias, o mesmo se pode dizer da determinação de perdão que caracteriza a anistia. E lembra que, no caso da anistia, o constituinte foi igualmente claro, ao dizer que cabe ao Congresso Nacional a concessão da anistia (inciso 8 do artigo 40 da Carta), afastando, portanto, de modo cabal, a ingerência do Poder Executivo neste assunto.

Neste contexto, é inconstitucional o aditamento feito à MP 449/08, em seu art. 78, que, inobstante finalidades razoáveis que possa ter, concede, na prática, anistia aos 'agentes públicos incumbidos da execução de medidas excepcionais com o propósito de assegurar liquidez e solvência ao Sistema Financeiro Nacional' ,diz a nota.

Outra inconstitucionalidade destacada é que a Carta de 1988 estabelece nitidamente que os agentes públicos devem responder pelos danos que causarem à terceiros.

A nota técnica da Ajufe conclui: Além das inconstitucionalidades por si só uma motivação mais que palpável para que seja vetado este aditamento pelo presidente da República o referido aditamento abre um precedente perigoso para o Estado Democrático de Direito, ao alargar os poderes do Poder Executivo para abarcar o circulo restrito do tratamento do direito penal e, pela vagueza e indeterminação de sua redação, dá margem à possibilidade de elaboração de teses jurídicas penais que poderão implicar em impunidade generalizada, a começar dos pedidos que certamente virão de aproveitamento das brechas trazidas pelo texto para co-réus dos 'agentes públicos incumbidos da execução de medidas excepcionais'.

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